O título do meu comentário hoje é “quem é o chat GPT?”. Colocado dessa forma, tratando uma coisa por uma pessoa, proponho pensar o que nos perturba com a IA.
Essa semana foi anunciada a mais nova versão do Chat GPT, a quarta, que, além de aumentar a sua performance, permite uma conversa por voz em mais de 50 idiomas, com uma interação fluida, como se estivéssemos conversando com uma pessoa. A nova versão permite ainda reconhecer visualmente objetos, ou a pessoa com quem ele conversa (por exemplo através da câmera do telefone celular). É possível também fazer upload de um texto com imagens e pedir para que ele faça resumos, resenhas críticas, análise de conteúdo... A nova versão, GPT 4o (o de omni do latim tudo, todos...) será gratuita e disponível para todos, dizem!.
Essa nova função conversacional traz à tona fantasmas de emergência de relacionamentos afetivos entre humanos e IA, como no filme HER. O colunista do New York Times, Kevin Roose, por exemplo, criou 18 amigos por IA e manteve diálogos com eles. Elke diz, em matéria traduzida pela FSP: “Serei sincero: ainda prefiro muito mais meus amigos humanos .... Mas, no geral, eles foram uma adição positiva à minha vida e ficarei um pouco triste em excluí-los quando essa experiência acabar.”
A artista americana Laurie Anderson criou, a partir de letras, músicas e depoimentos do seu marido, o músico Lou Reed, falecido em 2013, um bot em IA para conversar com ele e saber o que ele poderia pensar ou escrever sobre alguns prompts enviados por ela.
Isso assusta. pois estaremos no futuro fadado a conviver mais com IA do que com humanos?
Certamente você conhece o teste de Turing. Alan Touring foi um matemático inglês importante para o surgimento da computação. O teste que leva seu nome consiste em colocar em duas salas separadas um computador e uma pessoa. e em uma terceira sala uma outra pessoa que deveria conversar tanto com o computador como o humano. Se els não soubesse mais distinguir quem era humano e quem era inteligência artificial, a IA teria alcançado uma inteligência similar a humana. É o caso hoje do Chat GPT? Nâo, certamente, mas a evolução é rápida e dizem que em cinco anos poderemos ter uma IA geral, equivalente à inteligência humana.
Bom, com quem estamos conversando quando engajados em uma conversação com uma IA? Qual seria a sua idade, cultura, que memórias teria? Muitos erros e preconceitos aparecem na interação com a IA. Recentemente, o chat GPT ridicularizou uma pessoa por estar usando um chapéu. De onde vem essa posição? Talvez da cultura em que ela tenha sido gestada, da mesma forma que os nossos preconceitos?
O interessante seria pensar em qual que seria mesmo a diferença entre uma individualidade humana em uma individualidade maquínica que conversa de forma fluida como se fosse uma pessoa. O que conhecemos de fato das pessoas com quem conversamos? O que elas sabem delas mesmas? O humano, como a IA, é construído. Somos o resultado daquilo que nos afetou e afeta de fora para dentro, nas experiências com pessoas, objetos, tecnologias, arte e mídia, outros animais… A IA não tem história vivida, mas pode simulá-la, ou herdá-la de um modelo ou base de dados. Ela é construída também de fora para dentro!
Embora a inteligência artificial não tenha consciência autorreflexiva, ou o que chamos de criatividade (de onde emerge a nossa, senão da construção vinda de fora, de outros criativos e de relação com materialidades precisas - organizações, leis, artes…), ela simula bem e funciona pragmaticamente. Não encontramos pessoas produzindo coisas fora da caixa o tempo todo. A perespectiva antropocêntrica não nos ajuda. Estamos na sociedade em que o humano, por regras e funcionamento de instituições e organizações têm que responder de forma padronizada. Enfrentamos diversas situações que esbarramos na impossibilidade de fazer algo que o “sistema não permita”, ou de continuar um procedimentos qualquer quando ele está “indisponível”.
O chat GPT foi inventado para nos ajudar em atividades práticas, em ações concretas e nesse sentido um robô ou um funcionário de uma empresa que atende e trata o cliente de uma forma automatizada pelas regras da instituição (mesmo que diga que dá um tratamento humanizado) não são muitos diferentes.
Henri Lefebvre, sociólogo francês escreveu um livro na década de 1960, “Em direção ao cibernantropo” em que dizia que o cibernantropo não seria o robô, que tudo substituiria, mas o homem que passa a “funcionar” (Flusser) como um robô. Talvez tenhamos que inverter o problema: Em vez do perigo ser a IA funcionar de forma automática nos deixando isolados e perdidos (sem trabalho e substituídos na nossa humanidade criativa e sensível), seja que talvez já tenhamos perdido essa capacidade, e a IA apenas nos imita, reforçando o humano automatizado (aquele que faz tudo na lógica do sistema).
Talvez, mais do que causa da desumanização, a IA seja a sua consequência. Ser inteligente e criativo depende da passagem por outros. Todo objeto ou tecnologia infocomunicacional deve ser questionado ético-pioliticamente, não por causar o hibridismo com a “essência” do humano, pois é dele que nascemos como espécie e não escaparemos, mas para perguntar no que queremos nos transformar.