Ética da desconexão e Troféus do City
Texto da minha coluna na Rádio Metrópole de 11/01/2024
Levei meu filho no Museu do Bahia, na Fonte Nova, para ver os troféus do Manchester City, que estão fazendo um tour pelo país.
A organização foi idealizada para que as pessoas passassem pelos troféus, fizessem fotos e fossem embora. Recepcionistas e fotógrafos profissionais estavam lá à disposição para fazer o registro. Não vi ninguém olhando os objetos de perto. As pessoas ficavam de costas para os troféus, ou então atrás deles, posavam para fotos (que eram feitas por uma pessoa da organização para evitar que ficassem fazendo selfies durante muito tempo) e saíam sem ver nada.
Achei aquilo muito triste.
O objetivo maior não foi apreciar os cinco troféus de perto. A maioria das pessoas e a indicação da organização estava dirigida para instagramar a experiência (colocar a foto no Instagram e/ou circular por outras redes sociais). Estavam de fato guardando uma lembrança que não tiveram para postar para outras pessoas, criando um vínculo sobre o nada. Ou quase nada. Não houve a experiência do ver, apenas de um olhar rápido. O acontecimento era estar presencialmente frente aos objetos, mesmo sem vê-los.
Esse fenômeno não é novo e tem acontecido em muitos lugares, em relação a qualquer evento (shows, exposições, encontros…). Fui em uma exposição do Van Gogh Interativo (detestei) e as pessoas queriam tirar fotos na frente das imagens e não fruir a imersão no ambiente. Elas se colocam em primeiro plano transformando a experiência em um espectro de uma presença a ser compartilhado com outros. Nova forma de “consumo” do objeto como uma memória material de algo que não se viu, como uma compensação pelo tempo e dinheiro gastos. O turismo é isso em grande parte. Ver os monumentos, tirar fotos e sair sem ver.
Nada contra tirar fotos e postar no Instagram. Nada contra o turismo. Não é esse o ponto. O que me pareceu triste foi que a foto e a postagem não tenham sido consequência de um processo de fruição, de algo que se viveu para se lembrar mais tarde, mas que tenham se transformado na própria coisa a ser vivida. Na experiência que tivemos ontem, as pessoas entravam, tiravam fotos, saíam e não viam os objetos que estavam expostos. A atividade se transformou do “ver o objeto” pata o “tirar foto com o objeto”. Certamente, poucos viram a coroa na taça da Champions League, ou os leões que estão no topo, nem mesmo as inscrições dos times vencedores na base do troféu.
Transformaram a experiência em um show de si mesmo para tirar fotos para circular nas redes sociais. Certamente há uma sociabilidade que se cria nessa circulação e isso é legal, mas o custo deve ser pensado e um equilíbrio que talvez possa ser encontrado: ver, olhar, “comer” com os olhos os objetos e depois fotografar e postar. O que vi foi apenas a segunda parte do que poderia ter sido uma experiência maior.
No começo dos anos 2000 escrevi que necessitávamos de uma “ética da desconexão”. Isso não significa desconectar, mas saber escolher momentos e tempo de dedicação às coisas. Conversando com pessoas em uma mesa, vou prestar atenção ao que se fala, ou vou assistir vídeos no TikTok? Na exposição, vou ver os objetos ou apenas tirar fotos e sair? Talvez a segunda opção seja mesmo a melhor em algumas situações, mas ela foi escolhida conscientemente? Uma ética da desconexão implica em uma ética da conexão, ou seja, em uma decisão consciente sobre onde colocar a atenção, evitando ser levado pelo hábito que não pensa seus princípios.