Participei na semana passada na PUC-São Paulo do evento “Ecosemiótica das Amazônias”, com o intuito de discutir aquela que, na opinião de muitos, é a questão mais importante hoje da humanidade; a crise climática, com a emergência do que se chama de antropoceno. O termo está em disputa na ciência, mas há um consenso de que a ação humana, desde a revolução industrial, tem causado impactos irreversíveis no planeta e que precisamos estar atentos para evitar um colapso geral para as próximas gerações.
O filósofo alemão Hans Jonas escreveu um livro muito importante na década de 70, chamado "Princípio Responsabilidade", no qual apontava para a necessidade de uma ética na garantia das condições de vida no planeta. Um dos princípios é que a geração atual deveria agir de forma a manter, pelo menos, as mesmas condições de vida para as próximas gerações. Ele escreveu o livro em 1979 e desde então o problema persiste sem soluções ou engajamentos consistentes. Continuamos a colaborar para o aquecimento do planeta e não parece que uma solução técnica (tecnsolucionismo) venha a resolver o problema.
A cultura digital pode ajudar, mas também colaborar para a crise climática. Notícia recente fala que a Google aumentou, nos últimos 5 anos, em 50% a emissão de gases de efeito estufa com o desenvolvimento da inteligência artificial (veja aqui e aqui). Certamente a IA pode ajudar a detectar e revolver alguns problemas, mas a solução passa pela saída de visões antropocêntricas. A IA cria alta demanda por energia, recursos naturais, trabalho humano precário e colabora para a eficiência de empresas e projetos altamente intensivos em energia, ou na exploração de energia não renovável.
A solução deve passar por um reconhecimento da necessidade de criar novas formas de vínculo com o mundo externo, não limitando-o a um mero recurso “natural” à nossa disposição. Devemos empreender globalmente uma mudança de mentalidade que reconheça modos de existência que não sejam reféns apenas da lógica utilitária ou econômica, que não separe natureza e cultura (vejam essa matéria reforçando essa visão).
A discussão no evento sobre ecossemiótica reforça, a partir de especialistas nesse campo, como as diversas formas de vida no planeta trocam informações, se comunicam e precisam sempre passar por outros seres para existir. Embora seja óbvio, parece que esquecemos que fazemos parte desse processo, que existimos pelos outros humanos, não humanos, pela força das ideias, valores...
A crise do antropoceno é fruto da invisibilidade dos dispositivos técnicos e de uma naturalização de uma forma de vida social (de associação a coisas, animais e ideias) que não entende os entrelaçamentos aos quais estamos presos. Desde a revolução industrial, neutralizamos as anomalias. O importante, hoje, é trazer esses problemas para frente da cena, reconhecendo uma pluralidade de seres silenciados, inclusive, os humanos não ocidentais. Isso nos permitiria romper essencialismo que alimentam os sonhos de progresso e modernização, como se fossemos uma espécie separada do mundo.
É urgente tratar os problemas do digital e da industrialização, não como excessos, mas como ruínas no nosso dia a dia. Como diz antropóloga Anna Tsing, apenas o reconhecimento da precariedade atual, como uma condição planetária, nos permite perceber a situação do nosso mundo. Temos muitos mundos, múltiplas cosmologias, mas um só planeta.
A ecossemiótica, como uma ontoepistemolohia do bios e do zoe, é mais um aliado teórico na luta contra epistemologias antropocêntricas, reforçando as mediações informacionais, simbólicas, comunicacionais entre os diversos seres não humanos. Ela reforça os diversos “entanglements (Richard Grusin está dando nesse momento uma serie de conferências sobre “Tree entangelment”), fazendo “falar” outros e de outras formas e modos ajudando, quem sabe, a impedir a ruína do antropoceno.
Para viver em uma multiplicidade de mundos precisamos falar bem, e falar bem é saber encontrar condições de felicidade dentro dos diversos e diferentes modos de existência, reconhecendo-os, diz Bruno Latour no AIME. A questão urgente do antropoceno é, portanto, o da “habitabilidade”, que passa pelo reconhecimento do território, não como lugar onde habitamos, mas como aquilo de que dependemos para viver, de que outros seres e coisas precisamos passar para existir. Precisamos, portanto, olhar, escutar e falar sobre o mundo de uma maneira diferenciada. Esse é o desafio.