Ciborgues e Chip Cerebral
Texto da minha coluna na rádio metrópole, hoje, 31/01/2024
A startup Neuralink de Elon Musk publicizou ontem a realização do primeiro implante cerebral em um humano de um chip para controlar computadores, celulares ou outros dispositivos eletrônicos. Na realidade não é a primeira experiência com implantes, mas esse chip é mais sofisticado. Houve experiências no início dos anos 2000 para tratar Parkinson. A façanha atual foi realizada nos EUA com aprovação da FDA, a Anvisa de lá.
No final dos anos 1990, havia sistemas que permitiam que pessoas com deficiências pudessem manipular computadores com o movimento dos olhos, fazendo com que o ponteiro do mouse se deslocasse na tela e comandos fossem dados. Um professor de sociologia na Inglaterra implantou um chip no braço para, ao se aproximar, a porta do seu gabinete e suas máquinas entrassem em funcionamento. Chips cerebrais foram implantados em macacos e o cientista Miguel Nicolelis, aqui no Brasil, fez, com um exoesqueleto, um tetraplégico dar o pontapé inicial na copa do mundo de 2014.
Essa fusão do corpo com artefatos digitais assusta e nos remete à figura do ciborgue, termo justamente criado para designar a fusão de cibernética com organismo. Embora a questão com chips seja nova, a nossa relação híbrida com os objetos não é. Na realidade é ela constituinte da espécie. Explorei isso em artigos e em meu livro Cibercultura.
A primeira espécie do gênero humano é o homo habilis, justamente os primeiros hominídeos que manipulavam ferramentas. Essa manipulação ajudou a formação do córtex cerebral. Trabalhos de antropólogos mostram a evolução dessa relação. Somos híbridos desde sempre.
Hoje não achamos estranho termos objetos e próteses que aumentam o nosso corpo: óculos, lentes de contato, próteses ortopédicas e odontológicas, vacinas que manipulam nosso sistema imunológico e mesmo mídias e tecnologia da inteligência que nos fazem serem pensantes. Estamos, portanto, perseguindo o que é próprio do humano: a amplificação do corpo e da mente pelo uso de objetos. Ë isso cultura, e desde as mais antigas até a cultura digital. Como diz Latour, somos mais “Homo Fabricatus” do que “Homo Faber”!
A questão que se coloca hoje, e que podemos dizer, desde sempre, é qual a implicação ético-política de cada um desses hibridismos, como nos associamos aos artefatos para criar a humanidade. Isso serve para penarmos meios de comunicação, de transporte, de cura, de relação com a natureza e com o outro. A questão não é tanto a mistura com objetos, já que não há humano sem cultura, mas que humanidade produzimos.
O chip implantado agora tem, em um primeiro momento, o objetivo é fazer com que pessoas com deficiências possam manipular objetos digitais a distância, apenas com pensamento (por isso chama-se Telepathy). Mas podemos esperar uma fusão maior com a Inteligência Artificial. Para fazer o quê? Quem vai controlar essas funções: empresas privadas? com que interesses? Qual humano resulta dessa fusão? Um robô que vai funcionar para manter esse mundo em movimento? Ou podemos pensar em novos mundos e outros vínculos?
Da construção de nós mesmos não podemos escapar. A questão é, desde o Homo Habilis, como qualificamos essa construção.