Cibercultura ou Cultura Digital
Esse é meu primeio post aqui no Substack e o nome dessa minha newsletter é “Cibercultura”. Vou explicar rapidamente por que escolhi esse título.
Meu livro “Cibercultura. Tecnologia e Vida Social na Cultura Contemporânea” é uma atualização da minha tese de doutorado (homônima) defendida exatamente no dia de hoje, há 27 anos (1995). A tese foi traduzida e atualizada, sendo o livro publicado em 2002 pela editora Sulina de Proto Alegre. Ou seja, ele faz 20 anos agora em 2022. A editora está preparando uma nova edição. Escrevi uma nova apresentação. em um dos trechos explico por que “cibercultura” é mais interessante do que “cultura digital” hoje.
O texto abaixo pode ser ainda editado como a nova apresentação do livro.
(…) Quando esse livro foi finalizado, não havia Twitter, Facebook, WhatsApp; Blogs e Wikipédia davam os seus primeiros passos. A internet não era ainda dominada pela lógica das performances algorítmica e da dataficação que passam a captar, tratar e distribuir informações customizadas sobre e para cada usuário, gerando induções de ações sob a forma de recomendações (que mais se parecem coerções). Talvez esse tenha sido o ponto de inflexão, a grande bifurcação da cibercultura: a personalização da informação para fins comerciais pela captação da atenção do usuário e a correlata indução de ações levando-o a interagir (para o consumo) com produtos e serviços específicos. Em 1990, a capacidade de processamento e de circulação de dados ainda não permitiam a expansão da Inteligência Artificial e do Big Data (Crawford, 2021).
Rapidamente, a internet foi se transformando em uma grande máquina comercial e publicitária, com algoritmos cada vez mais sofisticados que retiram informações de acordo com o perfil construído do usuário (IP da máquina, localização geográfica, linguagem utilizada, buscas recentes, interação com outros usuários e informações...) oferecendo informação localizada e personalizada. A cibercultura vai se transformando em uma grande máquina de captação de dados pessoais para recomendação, usando esta para exercer controle sobre o que o usuário vê, sobre que produtos consome, sobre quais informações deve receber (de acordo com o que o sistema entende ser a sua “preferência”). Esse sistema metamorfoseia-se em plataformas digitais alimentadas pela dataficacão com machine learning controlada por cinco grandes empresas no Ocidente e outras no Oriente. Esse ampliado sistema de monitoramento de dados atinge o seu ápice hoje, 20 anos depois.
Muitos chamam esse panorama atual de “cultura digital” e não mais de “cibercultura”. No entanto, o termo “ciber”, e não o neutro e insosso adjetivo “digital”, nunca foi tão apropriado, pois estamos numa cultura de controle e vigilância de dados digitais pessoais através de plataformas pelas quais todos têm que passar nas mais diversas atividades diárias (você fica algum dia sem fornecer dados para Google, Apple, Facebook, Amazon ou Microsoft?). A raiz da palavra “cibernética” (kubernetes) significa governo, controle, pilotagem. Se a potência emancipadora e libertária levou os pioneiros da internet a construírem uma rede aberta e com controle público, técnico e transparente, hoje a “cibercultura” ameaça essas mesmas liberdades pelo controle empresarial e privado. Ela é agora, mais do que quando esse livro foi escrito, uma CIBERcultura que se expande pela massiva extração, tratamento e circulação de dados pessoais. (…)