Adolescentes
Vou comentar a série “Adolescentes” que tem gerado muito debate atualmente.
A série impressiona, primeiramente, por sua excelência técnica e narrativa. Com quatro episódios filmados em planos-sequência contínuos, sem cortes, a produção transporta o espectador para dentro dos eventos de maneira visceral e inquietante. Esta abordagem cinematográfica amplifica o impacto emocional de um tema tão violento.
O quarto do adolescente, embora só apareça mesmo na última cena, emerge como elemento central da narrativa – mais que simples refúgio, torna-se um portal de conexão que carrega inerentes riscos. Se anteriormente o perigo residia nas ruas, hoje ele habita as redes.
Os jovens navegam por um universo digital pouco compreendido pelos pais, aprofundando o tradicional abismo geracional. Embora filhos sempre tenham ocultado aspectos de suas vidas dos pais, a hiperconectividade digital atual expande drasticamente essa distância e os riscos. O quarto deixa de ser espaço isolado para tornar-se ambiente permeável, atravessado pelo fluxo incessante de informações e desinformações.
A narrativa investiga fenômenos como a "manosfera" e o movimento incel – comunidades digitais de homens ressentidos que cultivam ideologias misóginas. Estas correntes, que prosperam nos recônditos da internet, constituem o núcleo da tragédia retratada. O adolescente supostamente teria sido influenciado pelo movimento.
Para a maioria dos pais, o universo que se desenvolve no quarto permanece misterioso. Códigos, linguagens e símbolos evoluem rapidamente, criando inevitável descompasso. Esse fenômeno sempre existiu através de músicas, gírias e tendências. A transgressão é um componente natural da juventude. Os pais devem acompanhar, buscando equilíbrio entre respeitar essa dinâmica e estabelecer canais de diálogo.
A série explora magistralmente a tensão entre vigilância e privacidade. Enquanto adolescentes buscam isolamento físico e digital, suas ações deixam rastros nas redes. Esta dualidade manifesta-se claramente na trama: o crime é rapidamente solucionado graças aos vestígios digitais e às câmeras de monitoramento onipresentes.
Na era digital, compreender as dimensões da vigilância e privacidade torna-se crucial para a formação identitária dos jovens. O desafio é evitar a supervisão parental excessiva e cultivar um ambiente de confiança.
Pascal observou que o grande dilema humano é a incapacidade de permanecer sozinho no próprio quarto. Para ele, o isolamento representava refúgio. Hoje, contudo, o quarto já não constitui espaço de solidão segura. Mesmo aparentemente só, o adolescente encontra-se imerso em um coletivo digital influente. Xavier de Maistre satirizou as grandes explorações no seu livro Viagem ao Redor do Meu Quarto, mas na série, nem mesmo nesse microcosmo o jovem viaja. Ele é catapultado para a habitar o imaginário e exercer as ações propostas pelo movimento. Sem conseguir ficar só ou viajando pelo seu quarto, o jovem é arrastado por uma espiral de violência que culmina numa noite trágica em um estacionamento.
Assisti ontem a série. Achei muito profunda a entrega do elenco, me emocionou bastante. Temos uma falsa impressão que nossas filhas e filhos vivem em um mundo mais receptivo à juventude, mais aberto ao que se tem a dizer. Ao contrário, a violência sempre se reelabora e se conecta a quem está em situação limite. A série retrata uma escala de ausências e sofrimentos silenciosos que arrasa com a gente.
não diria que "prosperam nos reconditos da internet". eles estao bem na nossa cara, mais perto do que gostaríamos. durante a graduação na unb, 2011 ou 2012, um site de ódio prometeu um ataque às turmas de ciências sociais. um semestre perdido pra mim, que sentava na sala e só conseguia pensar nos requintes de crueldade detalhados por eles no post que informavam como matariam todas as mulheres do curso. a PF depois descobriu que era o msm cara que ameaçava de morte Jean Wyllys, Lola, Fefito e outros [gatilho] https://www.intercept.com.br/2018/12/21/prisao-do-misogino-marcelo-mello/